domingo, 31 de março de 2013

Ensaio Sobre Ela.


Estou perdido em sua respiração, insistindo em fazer perguntas mudas que ela responde com olhares provocadores. Vacilo um instante inteiro observando como os lábios dela se movem e se transformam num sorriso torto de quem sabe que me ganhou.

Eu buscava descobrir como isso tudo começou. Lembro vagamente que o início desse episodio
tinha um ar circense, um jogo de gato e rato que terminou com as pontas dos seus
dedos gelados subindo pelas minhas costas por baixo da camiseta rasgada.

Enquanto eu devaneio calado, ela continua deslizando pela casa indiferente a minha presença.
De quando em quando passa por mim com cara de criança rebelde enquanto balança a cabeça
de um lado pro outro. "O que foi que a gente fez?" 

Fecho os olhos encostado no sofá, quando sinto que ela inclina-se diante de mim e sussurra lentamente
no meu ouvido, com um hálito quente e suave: "decifra-me, ou devoro-te". 
Mantenho os olhos fechados, ela beija minha testa e volta a ziguezaguear pela casa.

Levanto-me e saio sem me despedir. Ela, pela primeira vez, faz ar de surpresa,
mas logo se desfaz pela certeza que eu vou voltar.

É, eu vou voltar, não tem jeito.
Nada era tão improvável quanto nos dois,
mas coisa boa mesmo vem quando
você não espera mais nada,
ou não quer nada,
ou as vezes nem acredita em nada mais.

Eu não era do tipo que ficava. Nada nessa vida me convencia.
Você me convenceu.

Fiquei parado na frente do meu apartamento, com as chaves na mão,
sem coragem de entrar e encontrar o lugar tão vazio de você e tão cheio de mim.
É, você me convenceu.

Então voltei pra sua casa, mas não bati, nem por um segundo pensei em entrar.
Só queria deixar por debaixo da porta um bilhete amassado:

"Decifro-te, mas devora-me mesmo assim."

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