quarta-feira, 6 de junho de 2012

Meu monólogo vazio e as cartas que nunca mando

Desde que me sentei para começar esta carta, já rabisquei outros dez papéis e fumei outros três cigarros – estou acendendo agora o quarto – então eu já me sinto pronto para me humilhar e tentar dizer o que eu nunca consegui durante todos esses anos. Lá vai. Dani, nós nos conhecemos há uns quatro ou cinco anos, quando éramos crianças tapadas que, com a desculpa de ter uma família de merda, nos reunimos a outros idiotas com a mesma desculpa e partimos em busca de “atenção”. Acho que o contato diário com adolescentes extremamente depressivos nos despertou uma paixão pela autodestruição. Muitas vezes eu achei bonito observar o convívio sólido e, aos nossos olhos, saudável, que mantínhamos através de desgraças familiares e obsessões amorosas. Eu gostei de experimentar a sensação de me sentir triste pelo menos uma vez por semana. Você acabou segurando a minha barra muitas vezes e, de algum modo inexplicável, eu acho que estimulei em você alguma vontade de viver. Mas eu não estou escrevendo para pedir desculpas por ter sido meio babaca algumas vezes, mesmo sabendo que você gostaria de ler algo do tipo. O máximo que posso te oferecer agora é que, quando eu deixar de ser babaca, aí sim, pensarei em te mandar uma carta pedindo perdão e com menos manchas de cinzas. Prometo. 

Eu não sei fazer cartas longas, enroladas, com sentimentos bonitinhos e saudades impressas. Sinceramente, eu não faço ideia do que estou fazendo, então vou direto ao ponto: eu acho que sei qual é o meu problema. E eu nunca estudei antropologia, então pode ter certeza que eu sei do que estou falando. Acho que tenho medo de ser feliz. Todo esse tempo eu me forcei a acreditar que, por mais que, vez ou outra, eu sentisse vontade de chorar, tudo isso passaria ao amanhecer. Adiantou por algum tempo, até eu perceber que ando colorindo os meus planos de preto e branco e deixando que os outros joguem um pouco de tinta para mim. Eu passei alguns anos achando que esse era o meu caminho natural. Convencendo-me que precisamos de dor para amar e que ralar os joelhos – a cabeça, os ombros, as costas e qualquer parte que ainda reste de mim – era uma coisa normal e que todos passaríamos pelo mesmo processo. Nunca aceitei a opção de que existe uma alternativa mais fácil e ela se chama “sorrir sem fazer drama”. Eu me sentia frustrado o tempo todo e apreciava esses momentos. Era como se eu absorvesse a dor que eu causei às outras pessoas e tentasse exorcizar os meus demônios. Isso me deu um pouco de medo.

Imagino que agora você esteja com um sorriso afetado no rosto, resmungando que é só mais uma de minhas “crises”, acompanhadas de um ataque de genialidade espontânea, onde, de repente, eu consigo me entender e faço um show por isso. Mas não é. Estou sendo sincero com você. Eu finalmente estou me entendendo e me sinto ainda mais perdido. Ou talvez eu goste de gastar o tempo que eu não tenho, escrevendo cartas que talvez eu nem mande. Ah, eu detesto saber que você não vai me levar a sério e que vai me mandar uma carta de poucas linhas perguntando, discretamente, se eu estava bêbado quando escrevi esta carta. Talvez até me mande calar a boca e aponte alguns fatores que, facilmente, poderiam levar meu diagnóstico direto à insegurança.  Portanto, vamos ao fator II do por que eu resolvi responder sua carta 2 anos depois.

Você é a única pessoa que consegue me entender do início até o fim. Você consegue me analisar minuciosamente e me criticar sem que eu sinta vontade de me jogar da janela. Você nem precisa de uma receita médica para me jogar uma porrada de remédios. Mas a diferença é que eu não preciso me dopar para conversar com você. Eu posso, simplesmente, dizer. Então o motivo central desta carta e de todas essas palavras perdidas é só isto. Quero dizer, obrigada. Por não desistir de mim. Por não achar que eu sou um doente psicopata – ou talvez por achar só um pouquinho – mas, acima de todo, por não deixar eu me perder completamente. Eu amo você, sabia disso? É, eu amo sim.

Isso tudo é muito sentimentalista, então não perca essa carta entre garrafas de vinho, afinal, não sei se conseguirei fazer outra dessas. Olha, se cuida. Não se perca. Não deixe que a poesia tome conta de você. A dor é bonita, mas magoa, crucifica e adoece. Existem outras obras de artes que carregam espelhos. 

Espero que você encontre a sua Dani. 

Sem comentários:

Enviar um comentário