sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A janela quebrada


Você chega em casa lá pras três e pouco da tarde, me pedindo um monte de coisas, me atirando um monte de papéis, despertando a ressaca que eu mantinha adormecida. Não entendo nada do que você está falando. "Só um monte de besteiras", sussurro abafando no travesseiro. No meio daquele caos, da sua preocupação irritante, então, fica tudo em silêncio.

Silêncio.

É estranho porque faz muito tempo desde que ouvi o silêncio pela última vez. Desde que resolvi aquelas coisas complicadas da minha vida não há silêncio. Não que eu goste, não que eu me importe, mas ainda assim faz zumbidos no meu ouvido. Demoro alguns minutos para perceber, mas você está com olhos marejados, do tipo que menininhas fazem quando estão chateadas com alguma coisa.

"Que foi?"

Puta merda, mas que delicadeza. Eu tô meio rígido, sabe, meio segurando pelas pontas, trombando nos móveis da casa, ignorando a sua presença. Não sei porque você não foi embora, mesmo depois de tanto tempo, de tanto saco cheio, de tanto carnaval embrigado. Você nunca foi, nem pelas metades, nem pelos inteiros. Também não sei se ficou por mim, mas pouco importa. O que importava era só o café quente de manhã e os telefonemas quando já cedo de manhã eu não havia chegado em casa.

"A janela tá quebrada"

Eu não entendi aquilo assim, de cara. Parecia uma coisa muito importante, mas ao mesmo tempo meu cérebro era tomado de coisas não importantes, contas pra pagar, família pra telefonar, casa pra varrer. Coisas não-importantes que mesmo importantes a gente deixa de lado. Você era a parte mais importante da minha vida, a mais deixada de lado. Janelas quebradas não se consertam, meu bem, pare de gritar.

"Caíram os cacos lá fora"

Quando eu era moleque brincava de acertar os passantes da rua com umas bolinhas de gude. Eu não sabia o quanto aquilo doía até que meu irmão me acertou uma dessas na cabeça. Cacos de vidro voando. É a imagem que me passa pela cabeça, enquanto as encaminho para a parte não-importante do meu cérebro. Não dá mais. Eu tenho que levantar e ver do que você está falando. Seu tom é exasperado, sua melodia não tem ritmo. Tropeço nos próprio pés enquanto sinto a cabeça doer. Se os cacos ainda não me atingiram, terão a sua vez. Chego até a janela e a encontro brilhando, bonitinha, sem cacos, sem corações.

"Mas que porra..."

Você tá parada. Eu tô parado. É a primeira vez que reparo nos cristais dos seu olhos. Não é nada parecido com um baque, é só a resolução de um problema, a resolução da confusão. É triste, mas não chega a doer. Você não é o meu equilíbrio, não é o meu amor, nem a minha calma. Você é a pancada, o tapa na cara, os arranhões. Qualquer coisa que me faça ver que depois da preguiça, eis que surge, bem devagarzinho, a compreensão.

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