segunda-feira, 10 de março de 2014

O jornal explodiu. Os pássaros voaram para longe de toda a confusão. Só restaram dois ou três irmãos, que não se soltavam nem corriam para lugar algum. Eu tava de longe, mas reparei no olho de vidro de um dos três camaradas. Nem se moviam, não se assustavam. Publicidade e propaganda não faz arrepio em gente malandra. Da janela do meu quarto dá pra ver a praça e um pedaço da avenida, dá pra ver os tios fumando maconha e os primos chutando bola. Todo mundo fingindo ser alguém melhor na vida. Eu não. Eu tô puto tentando entender por que aqueles caras não correram ainda. Vou descer essas escadas e vou bater naqueles moleques até causar algum impacto, até explodir dentro deles, que nem explodiu no jornal.

"Olha pra mim, irmão, olha pra mim que pelo teu olho consigo enxergar toda a tua essência. Me conta como você guarda seus desaforos. Me conta a mágica que cê tá fazendo. Não olha pro chão não, por dentro do teu olho eu vejo o mundo. E é tudo falso. Tua calma é falsa e teu olho também."

O neguinho não faz nada. Fica olhando pros camaradas sem entender porra nenhuma. Começo a ficar mais calmo, procuro o maço de cigarros dentro dos bolsos do casaco. Aí percebo que deixei o casaco em casa e fico puto de novo. Subo as escadas de emergência, pego o cigarro e fico olhando os irmãos de lá de cima. Quando a fumaça aumenta, o de olho de vidro se levanta e vai embora. É bem na hora que a polícia chega. Os outros dois vão atrás. Nenhum deles tem expressão. Nenhum deles tem balanço quando anda. Bem na esquina, o mais ofendido olha pra mim e acena, dá um tchau, levanta a mão e grita.

"Por que cê não correu da explosão?"

Alguma coisa me prendia aqui, nem preciso dar explicação. Se era minha própria raiva me prendendo, se eu não conseguia acreditar no que tava vendo. Se eu não consigo mais acreditar no mundo e tenho que ficar para apreciar a destruição. Queria descer e ir embora com o cara do olho de vidro. Queria descobrir qual é o lugar do mundo que permite nascer gente assim. Gente surda, que não escuta as provocações da vida. Gente limpa, que não esbarra em sujeira de gente fina. Gente que não cresceu no meio de grana e cocaína. Eu com a minha camisa amarrotada, que nunca me encaixei em lugar nenhum, cheio de falhas na barba e muitas contas para pagar. Dou uns tapas no ouvido que ficou meio surdo com a explosão.

Acho que estou ficando louco. Ou melhor, ou sou eu, ou são eles. Senti uma puta inveja daquele olho de vidro, todo na dele, meio azul, sei lá, cor de alma. Chegava a dar paz, mas eu nunca acreditei muito nessas coisas. Não me lembro da última vez que fumei um cigarro, apesar de só terem se passado alguns minutos. Não me lembro da última vez que o mundo acabou, talvez semana passada ou há dois anos, seja o que for. Minha mente está confusa. Estou admirando aquele olho de vidro, estático, meio psicótico, com o rosto amarelado, doente, algum mendigo com hepatite, um homem de muletas, todos eles se parecem comigo. Estou amargo. O olho de vidro do irmão rouba minha calma.




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